“Quem na concha de sua mão mediu as águas...” (Is 40.12)
Por João Calvino
“Quem na concha de sua mão mediu as águas e tomou a medida dos céus a palmos? Quem recolheu na terça parte de um efa o pó da terra e pesou os montes em romana e os outeiros em balança de precisão?” (Isaías 40.12)
“Quem mediu?”. Depois de ter falado do cuidado amigável de Deus na defesa de seu povo, ele agora proclama seu poder, e confere-lhe todos os elogios possíveis, os quais, embora não produziriam menor impressão sobre nós, se não observássemos o objetivo do Profeta. À primeira vista, os leitores ignorantes acham que o Profeta multiplicou frases inacabadas, as quais seriam absurdas. Mas se olharmos para o seu objetivo, ele adorna o poder de Deus com um discurso oportuno e elegante, que é um verdadeiro apoio para a nossa fé, para que possamos não hesitar em crer que ele vai cumprir o que ele prometeu. Não é sem razão que Paulo diz que Abraão não hesitou, porque ele acreditava que Deus era capaz de realizar o que havia prometido (Rom 4.20,21). No mesmo sentido, também testifica de si mesmo, em outra passagem, "Eu sei em quem tenho crido; Deus é poderoso para guardar o meu depósito." (2 Tim 1.12).
Esse é também o sentido dessas palavras de Cristo: "Meu Pai, que mas deu é maior do que tudo." (João 10.29).
Assim, portanto, devemos continuamente lutar contra a desconfiança, e desde que Satanás nos ataca por vários artifícios, é de grande importância que as promessas de Deus devam ser consideradas por nós, para dar ao seu poder os louvores que merece. Agora, por causa da restauração do povo de Israel no cativeiro em Babilônia ser inacreditável, era necessário que as mentes piedosas fossem erguidas sobre o mundo, para que não vissem a graça de Deus como limitada a meios humanos.
Nós vemos que o profeta não se limita a ensinar que Deus é o Criador do céu e da terra, mas aplica ao presente assunto tudo o que se relaciona com o poder infinito de Deus; e numa forma como está fixada para a nossa orientação. Quando qualquer adversidade nos acontece, a nossa salvação fica escondida, e, como se uma nuvem tivesse vindo sobre nós, o poder de Deus fica oculto; somos tomados de espanto, como se o Senhor houvesse nos abandonado e nos esquecido. Vamos, portanto, não achar que o Profeta fala de algum assunto comum; pois se esta convicção do poder de Deus estiver profundamente enraizada em nossos corações, não ficaremos muito alarmados e nem seremos perturbados por qualquer calamidade que seja. Neste poder, como já dissemos, Abraão inclinou-se, para que pudesse cordialmente abraçar o que era de outra maneira incrível; e, consequentemente, Paulo afirma (Rom 4.18) que "ele esperava contra toda a esperança", pois ele acreditava que Deus era capaz de fazer o que ele tinha dito, e não vacilou ou cambaleou em sua mente. Somos, assim, ensinados a levantar os olhos acima deste mundo, para que não julguemos pelas aparências exteriores, mas acreditar que o que Deus falou se cumprirá; porque todas as coisas estão à sua disposição.
Embora esta convicção seja necessária a todos, eu disse que os judeus tinham grande necessidade dela; pois como foram fortemente oprimidos por inimigos muito poderosos, eles não tinham meios de escape e nenhuma esperança de libertação, e nada podia ser visto por todos os lados, senão um grande e terrível deserto. Em vão, portanto, seria a consolação a ser oferecida a eles, se não tivessem, por sugestão do Profeta, elevado suas mentes para o céu, e, ignorando as aparências das coisas, fixado todo o seu coração no poder de Deus.
Quando ele nomeia "medidas", que são usadas por homens em pequenas coisas, ele acomodou a si mesmo à nossa ignorância; porque assim o Senhor frequentemente se comunica conosco, e faz comparações de assuntos que nos são familiares, quando ele fala de sua majestade; para que nossas mentes ignorantes e limitadas possam entender melhor a sua grandeza e excelência. Fora, pois, com todas as concepções grosseiras de Deus; porque sua grandeza excede em muito todas as criaturas, assim que o céu, e a terra, e o mar, e tudo o que eles contêm, embora sejam vastos em sua extensão, ainda, em relação a ele nada são.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.